31/07/2013
|
Decisão ProferidaVistos. O autor ajuíza ação cautelar
preparatória inominada, apontando a nulidade de ato jurídico como
fundamento da lide principal.
Invoca a violação ao devido processo legal pela
imposição da excomunhão latae sententia; ou seja, pela punição automática
reservada aos casos mais graves de delitos previstos no Código de Direito
Canônico. E para ser reabilitado
imediatamente aos sacramentos, alega o periculum in mora.
No entanto, o perigo da demora não está presente, daí a ausência dos
requisitos da tutela cautelar liminar. Alguns pecados particularmente
graves são passíveis de excomunhão, a pena eclesiástica mais severa, que
impede a recepção dos sacramentos e o exercício de certo atos clericais. Neste
caso, a absolvição não pode ser dada, segundo o direito da Igreja, a não
ser pelo Papa, pelo Bispo local ou por presbíteros autorizados por eles.
(Catecismo da Igreja Católica, Fidei Depositum, § 1463).
Logo se vê que a excomunhão imposta autor não é pena definitiva, –
mera pena medicinal – , até porque tal conceito conflita com a misericórdia
divina: “Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; porém, a
blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhes será perdoada. E todo o que
disser alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoada; porém, o
que disser contra o Espírito Santo, não terá perdão neste mundo nem no
outro (Mateus, 12, 30-31)
Assim, para fazer valer a revisão da excomunhão, o cânone 1.354 prevê
a cessação das penas pela remissão ou perdão concedido pela autoridade
competente. E o cânone 1.356 §1º, prevê a autoridade competente para a
remissão dos delitos feredae ou latae setentia. De sorte que inexiste
periculum in mora no caso dos autos. Se o autor teme a ineficácia do provimento
jurisdicional se deferido apenas ao final da cognição exauriente do
processo principal, ou seja, se teme
ficar privado dos sacramentos até o final do processo, bastaria a
providência extrajudicial consistente no pedido de absolvição ao ordinário local,
a qualquer Bispo em ato de confissão sacramental (cân. 1355, §2º), ou ainda ao Romano Pontífice, de quem
o autor já declarou acreditar na revisão da pena .
Escreve Humberto Theodoro Júnior que o perigo de dano refere-se,
portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição para o
litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser
alcançado caso se concretizar o dano temido (Curso de Direito Processual Civil,
vol. 2, pág. 340).
Daí se inferir que o interesse para a obtenção da medida liminar não
se faz presente no caso dos autos, dada a existência de meio
extraprocessual para se obter a proteção aos direitos judicialmente
discutidos. O perigo da demora nem sequer atinge o direito do autor ao
último dos sacramentos, pois a unção dos enfermos só é vedada aos que
perseverarem obstinadamente em pecado grave manifesto (cânone 1.007). Ainda
sobre o requisito do perigo, inexiste informação nos autos de que o autor
tenha se utilizado das vias impugnativas previstas no Código Canônico. O
cânone 1628 prevê o recurso da apelação, com efeito suspensivo (cân. 1639),
disponível a qualquer parte que se julgar prejudicada por alguma sentença,
não figurando, a decisão de excomunhão dentre os atos insuscetíveis de
apelação (cânone 1629). Além disso, até mesmo a sentença transitada em
julgado admite a restitutio in integrum, caso ela tenha sido preferida com
evidente negligência de alguma prescrição (cân. 1.645, §4º), como alega o
promovente quanto ao devido processo legal. Ademais, a afronta ao direito
de defesa, também invocado pelo acionante, justifica a querela de nulidade
prevista no cânone 1.620, 7º, deduzida junto ao próprio juiz ordinário ou
delegado que proferiu a sentença (Cruz e Tucci e Azevedo. Lições de Direito
Processual Civil Canônico, pág.152, Ed RT). Por fim, no arsenal de meios de
impugnação da sentença também está prevista a apelação per saltum
diretamente ao Romano Pontífice (favorável às opiniões do autor, segundo
manifestação deste à imprensa), caso o autor tenha dúvidas sobre a
imparcialidade dos tribunais inferiores: A partir do momento em que se
estruturou a hierarquia eclesiástica, permite-se que, per saltum qualquer
causa seja levada à apreciação do Papa. (ob. cit, pág. 147). Em síntese, porque não esgotadas as vias
impugnativas extrajudiciais, também por isso o autor não reúne os
requisitos da medida liminar. E sobre o uso
das vias impugnativas canônicas, é importante mencionar que a decisão
pública a folhas 32 – disponível na web – é suficiente para a instrução dos
recursos, não sendo verossímil, ao menos nesta fase de cognição sumária, a
alegação de que a ré deliberadamente obstaculiza o acesso do autor à defesa
nos meios canônicos.
Ademais, força convir a
incongruência da alegação de nulidade do processo penal canônico por vício
formal, com a retomada da aptidão para receber os sacramentos, sem com que
haja uma efetiva comunhão do fiel com a fé preconizada pela igreja, em cujo
corpo o autor pretende ser reintegrado por decisão secular. Santo Agostinho
define os sacramentos como o sinal visível externo de uma graça espiritual,
interna (Keeley, Robin, org.,
Fundamentos da Teologia Cristã, pág. 343. Ed Vida). Logo, até poder-se-ia
argumentar que uma decisão liminar conferiria ao autor a retomada dos
sacramentos como mero sinal externo da graça espiritual, i. .e, um lugar na
mesa eucarística.
No entanto, a graça interna, consistente na participação na vida
divina (Catecismo, pág. 460), na
associação do fiel à obra da Igreja, não há decisão judicial que garanta. A graça compreende igualmente os dons que o Espírito
nos concede para nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de
colaborar com a salvação dos outros e com o crescimento do corpo de Cristo,
a Igreja (ob. Cit, pág; 460). Vale dizer, a declaração de ineficácia da
excomunhão por vício formal do processo canônico até pode garantir a
reintegração do autor ao corpo formal da igreja, mas não teria o condão de
reintegrá-lo à comunhão com o corpo místico de Cristo : Igreja
Triunfante, constituída pelas almas que já se encontram no Céu; Igreja
Padecente, constituída pelas almas do purgatório; e Igreja Militante,
constituída pelos os fiéis na terra que comungam a mesma fé, segundo os
preceitos ditados pelas cabeças invisível – Jesus Cristo – e visível – o
Papa – desse corpo (Carta Encíclica Mysticy Corporis) E o sinal de unidade
da Igreja, assim entendida como o Mysticy Corporis , é dado pela
eucaristia, ou seja, pelo sinal da comunhão, do qual o acionante encontra-se
privado por iniciativa própria. Fosse o vício formal do processo canônico
igual ao da exclusão de um associado de clube recreativo, por exemplo, não
haveria outras implicações na reintegração liminar. Mas a elisão da excomunhão tão só pelo vício formal
não reintroduziria o acionante nos quadros da associação cuja profissão de
fé negou (apostasia – fato incontroverso -, segundo o decreto de
excomunhão) e o levou a ser dela excluído. Afora isso, a
reinserção judicial do autor entre os fiéis, sem com que haja a sintonia
dele com os preceitos da Igreja, não encontra amparo no direito canônico. Segundo o cânone 209, Os fiéis são obrigados a conservar sempre, também no modo próprio
de agir, a comunhão com a igreja. §2º Cumpram com grande diligência os deveres
a que estão obrigados para com a Igreja universal e para com a Igreja
particular à qual pertencem de acordo com as prescrições de direito.
Em suma, a efetiva reincorporação do autor aos
sacramentos passa ao largo da discussão formal do processo de excomunhão.
Para a retomada do elo entre o promovente e a igreja, é necessária a
comunhão no entendimento sobre a fé, assim entendida como o pedido de
readmissão do acionante, que passa pela remissão prevista nos cânones, ou
seja, pela atividade extraprocessual do autor. Ante o exposto, indeferida a
liminar, cite-se com observância do artigo 803 do Código de Processo Civil.
Intimem-se.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário