terça-feira, 5 de junho de 2012

O Matrimônio na História: “O Estado não tem o poder de colocar as mãos em características fundamentais do instituto familiar”


Mons. Vitaliano Mattioli
Aconteceu de 30 de maio até o 3 de junho, em Milão (Itália), o VII Encontro Mundial das Famílias, que teve como tema: “A família, o trabalho, e a festa”.
É inútil repetir o quanto a família esteja ameaçada hoje. Basta uma simples reflexão para dar-se conta de uma verdadeira conjura contra a instituição familiar.
O encontro de Milão teve por objetivo sensibilizar a consciência social e colocar de novo a família no lugar que lhe corresponde, ou seja, no centro da sociedade.
Nessa reflexão de hoje partimos do princípio de que o Estado vem depois da família. É o conjunto das famílias que constitui o Estado. Por isso o Estado não tem o poder de colocar as mãos em características fundamentais do instituto familiar, mas somente providenciar que a família sobreviva como instituição natural da sociedade.
Vejamos, por exemplo, como em em todas as culturas encontramos disposições em defesa da família como sociedade natural fundada sobre o matrimônio. Façamos um percurso histórico.
No Código de Hamurabe (1750, mais o menos, a.C.) está escrito: “Se um homem  se casou com uma mulher, mas não concluiu o contrato com ela, esta mulher nao pode ser acreditada como esposa legítima” (n. 128);  Se uma mulher casada é  surpreendida na cama com um outro homem, todos os dois devem ser amarrados e afogados” (n. 129).
Já no V sec. a.C. os textos confucianos nos falam da família como fundamento do Estado. Se a família não  vive conforme as virtudes, também o Estado não pode está bem. Para formar uma família virtuosa, a pessoa  deve esforçar-se para ser perfeita antes de casar-se.
Na sociedade da antiga India, conforme a descriçao do Kamasutra, o Tratado sobre o amor, descrito por Mallanaga Vatsyayana (III Sec. d.C.), o casamento é algo sagrado, é uma obrigação religiosa que envolve a comunidade. As famílias estão comprometidas no casamento dos filhos. Isto porque o casamento não é um fato privado.
As leis do Manu (não tem uma data certa; mais ou menos entre o sec. II a.C. e o sec. II d.C.). No cap  terceiro  faz a lista  de oito modalidades para casar uma mulher e dos impedimentos.
Na antiga Grécia, já antes de Homero, o matrimônio era considerado o fundamento da sociedade. A familia por meio do  casamento, era a condição indispensável para a propagação da espécie humana. A família, nos antigos poemas, é apresentada com grande estima. Também nos tempos antigos, o casamento não tinha  uma legislação bem marcada, porém já aparece como um fato social; tem algumas cerimônias públicas e condições para que fosse um casamento reconhecido. Parece que a primeira forma legal específica foi introduzida pelo legislador Solon (Sec VI a.C.) que evidenciou as condições para que um casamento fosse reconhecido legitimo. Péricles (451 a.C.)  pusera outras condições. O casamento tinha um caráter sagrado. Terminada a festa do casamento, os casais agradeciam aos deuses, oferecendo um sacrifício, especialmente a Eros e Afrodite. O último ato consistia no registro do casamento no livro chamado fratria, junto a duas testemunhas.
Na sociedade romana, Roma é a pátria do direito. A legislação romana sobre  o casamento é muito importante porque  passou depois para o direito canônico. A mesma palavra “matrimônio” foi formada pelo direito romano. Matrimônio deriva do latim matris munus (ou munium)  para evidenciar o papel importante da mulher na família;  cônjuge (coniugium) “quia mulier com viro quasi uno iugo astringitur” (o homem e a mulher estão unidos no mesmo compromisso); connubio (connubium) da nubere, velar, pelo costume de pôr um véu (flammeum) sobre a cabeça da mulher.
Para os romanos o matrimônio (sempre monogâmico; nunca foi admitida a poligamia, somente tolerada) era a convivência de um homem com uma mulher com a vontade de serem marido e mulher (affectio maritalis = carinho conjugal), que se devia manifestar com uma cerimônia pública. Este elemento distinguia o casamento da união livre. No período antigo não existia o divórcio. A intenção de viverem juntos devia ser permanente, isto é, no momento do casamento as pessoas tinham que exprimir a vontade de permanecerem juntas por toda a vida. Ainda que também podia ser que no tempo esta vontade acabasse.
A familia era natural. Para o historiador Musonio Rufo (I sec. d.C.) existia somente a família legítima (união de um homem com uma mulher) abençoada por Júpiter. O casamento homossexual nao era permitido. O imperador Nero casou-se por duas vezes na forma homossexual. Porém nunca o direito romano reconheceu o casamento homossexual. Assim se encontra em Tacito, Suetonio, Dione Cassio. Cicero definiu o matrimônio: “Prima societas in ipso coniugio est…; id autem est principium urbis et quasi seminarium rei publicae” (De Officiis, I, 17, 54; O casamento é a primeira sociedade…; por isso é o primeiro princípio da cidade e o viveiro do Estado). A definição clássica do matrimônio é aquela do jurista Erennio Modestino (m. 244 d.C.): “Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio”  (Dig. 23,2,1) (União de um homem com uma mulher, uma comunhão por toda a vida, com a aceitação de tudo o que é exigido pelo direito humano e divino). Com as palavras Coniunctio maris et feminae Modestino entendia a união sexual.  Poucos anos antes, Ulpiano com esta  coniunctio entendia o matrimônio mesmo, conteúdo no direito natural.  Ele dizia que pela validade do matrimônio não precisa a união carnal,  mas o consentimento (Digesto, 35,1,15).  Segundo Ulpiano o consenso compreende a affectio maritalis, a vontade do marido de comportar-se  com carinho e com respeito com a sua esposa.
A outra está contida nas Institutiones de Justiniano: “Viri et mulieris coniunctio individuam consuetudinem vitae continens” (Inst., 1,9,1). Nestas palavras se encontram os elementos fundamentais. A vontade dos cônjuges  é indispensável e ao menos na intenção deve ser perpétua. O matrimônio é percebido como algo de permanente:  omnis vitae. O historiador Tacito escreve: Consortia rerum secundarum adversarumque (Anales, III, 34,8), no bom e no mau destino. Plutarco na obra Bruto pôe na boca de Porcia, esposa de  Bruto estas palavras: “Ó Bruto, eu me casei contigo para compartilhar a tua alegria e o teu sufrimento” (Bruto, 13). A diferença entre o casamento legítimo e a união livre era esta, portanto: a manifestação da vontade de viverem juntos por toda a vida. “Não é a união carnal mas o consentimento, a vontade, que faz o matrimônio” (Digesto, 35,1,15).  Por isso a autoridade  do pai não podia intervir sobre a vontade dos filhos, isto é, o pai não podia obrigar os filhos a casar-se se eles não quisessem: “Non cogitur filius familiae uxorem ducere” (Dig. 23,2,21).
Contrariamente às outras culturas antigas, no direito romano o casamento não era celebrado por etapas, mas somente com uma cerimônia, na qual se exprimia o consentimento. Nos primeiros séculos da história romana o matrimônio era indissolúvel.  Somente depois, no período imperial foi admitido o divórcio. Já que a vontade é o elemento essencial para a validade do matrimônio, então, passou-se a pensar que este existe até o permanecer desta vontade. Se um dos dois não quiser mais viver com o outro, o casamento termina.
Então, depois do divorcio pode-se novamente casar. A procriação é importante mas o carinho (afeto) passa que é mais importante. Porém, a procriação é um elemento do matrimônio: se falta a capacidade física de procriar o casamento é inválido. Por isso é permitido somente depois da puberdade. É tambem proibido pelas pessoas já casadas.  O matrimônio è monogâmico. A poligamia não tem lugar no direito romano. Pelos juristas não era possivel compreendê-la. Para casar-se novamente, a primeira união deve ser desligada: “Neque eodem duobus nuptia esse potest neque idem duabus uxores habere (Gaio, Inst. 1,63; não é lícito ser casado duas vezes ao mesmo tempo, nem ter contemporaneamente duas mulheres). Era proíbido o incesto, o casamento entre os primos, tio e sobrinha, tia e sobrinha. Tudo isto confirma que o matrimônio não era algo privado, mas uma realidade pública, social.  É importante notar que a definição  de Modestino nos fala do direito  divino (divini iuris). Isto evidência uma relação do matrimônio com a divindade. Na cerimônia nupcial havia uma invocação à deusa Juno Pronuba, divindade que protegia as núpcias.
Quando a Igreja se preocupa com a família, não age fora do seu campo de ação. A Igreja faz parte da estrutura social e por isso tem o direito de exprimi a sua palavra sobre esta fundamental instituição. De fato, se a família cair, tudo vai cair.
O fato é que o matrimônio leigo e família leiga (no senso de laicista) não existe. Têm uma profunda conotação religiosa, já reconhecida seja pelos gregos seja pelos romanos.
Os gregos e depois os romanos estavam convencidos de que o matrimônio foi querido pelos deuses. Estes dois povos tiveram bem claro a existência da lei natural (lex naturalis) precedente às leis dos homens (lei positiva). Estavam convencidos de que existia um direito anterior, uma lei não escrita, precedente às leis formuladas pelos juristas. Pelos romanos já antes das doze Tábuas da Lei o matrimônio tinha uma conotação religiosa.
A Igreja fez muitas intervenções sobre a família. Além do Concílio e muitos discursos dos Papas, as intervenções oficiais estão contidas nestes documentos: Leão XIII:  Arcanum Divinae Sapientiae (10-2-1880);   Pio  XI:   Casti  Connubii (31- 12- 1930);  João Paulo II:  Familiaris Consortio  (1981); Pontifício  Conselho  para a Familia:  Família,  Matrimônio e “uniões de fato” (2000).
Fonte: Blog do Carmadélio

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