Mons. Vitaliano Mattioli
Aconteceu de 30 de maio até
o 3 de junho, em Milão (Itália), o VII Encontro Mundial das Famílias, que teve
como tema: “A família, o trabalho, e a festa”.
É inútil repetir o
quanto a família esteja ameaçada hoje. Basta uma simples reflexão para dar-se
conta de uma verdadeira conjura contra a instituição familiar.
O encontro de Milão teve
por objetivo sensibilizar a consciência social e colocar de novo a família no
lugar que lhe corresponde, ou seja, no centro da sociedade.
Nessa reflexão de hoje
partimos do princípio de que o Estado vem depois da família. É o conjunto das famílias
que constitui o Estado. Por isso o Estado não tem o poder de colocar as mãos em
características fundamentais do instituto familiar, mas somente providenciar
que a família sobreviva como instituição natural da sociedade.
Vejamos, por exemplo, como
em em todas as culturas encontramos disposições em defesa da família como
sociedade natural fundada sobre o matrimônio. Façamos um percurso histórico.
No Código de Hamurabe
(1750, mais o menos, a.C.) está escrito: “Se um homem se casou com
uma mulher, mas não concluiu o contrato com ela, esta mulher nao pode ser
acreditada como esposa legítima” (n. 128); Se uma mulher casada é
surpreendida na cama com um outro homem, todos os dois devem ser amarrados e
afogados” (n. 129).
Já no V sec. a.C. os
textos confucianos nos falam da família como fundamento do Estado. Se a família
não vive conforme as virtudes, também o Estado não pode está bem. Para
formar uma família virtuosa, a pessoa deve esforçar-se para ser perfeita
antes de casar-se.
Na sociedade da antiga
India, conforme a descriçao do Kamasutra, o Tratado sobre o amor,
descrito por Mallanaga Vatsyayana (III Sec. d.C.), o casamento é algo sagrado,
é uma obrigação religiosa que envolve a comunidade. As famílias estão
comprometidas no casamento dos filhos. Isto porque o casamento não é um fato
privado.
As leis do Manu (não tem
uma data certa; mais ou menos entre o sec. II a.C. e o sec. II d.C.). No cap terceiro
faz a lista de oito modalidades para casar uma mulher e dos impedimentos.
Na sociedade romana,
Roma é a pátria do direito. A legislação romana sobre o casamento é
muito importante porque passou depois para o direito canônico. A mesma
palavra “matrimônio” foi formada pelo direito romano. Matrimônio deriva do
latim matris munus (ou munium) para evidenciar o
papel importante da mulher na família; cônjuge (coniugium) “quia mulier com viro
quasi uno iugo astringitur” (o homem e a mulher estão unidos no mesmo
compromisso); connubio (connubium) da nubere, velar, pelo costume de pôr um véu (flammeum) sobre a cabeça da mulher.
Para os romanos o
matrimônio (sempre monogâmico; nunca foi admitida a poligamia, somente
tolerada) era a convivência de um homem com uma mulher com a vontade de serem
marido e mulher (affectio maritalis = carinho conjugal), que se devia
manifestar com uma cerimônia pública. Este elemento distinguia o casamento da
união livre. No período antigo não existia o divórcio. A intenção de viverem
juntos devia ser permanente, isto é, no momento do casamento as pessoas tinham
que exprimir a vontade de permanecerem juntas por toda a vida. Ainda que também
podia ser que no tempo esta vontade acabasse.
A familia era natural. Para o historiador
Musonio Rufo (I sec. d.C.) existia somente a família legítima (união de um
homem com uma mulher) abençoada por Júpiter. O casamento homossexual nao era
permitido. O imperador Nero casou-se por duas vezes na forma homossexual. Porém
nunca o direito romano reconheceu o casamento homossexual. Assim se encontra em
Tacito, Suetonio, Dione Cassio. Cicero definiu o matrimônio: “Prima societas in
ipso coniugio est…; id autem est principium urbis et quasi seminarium rei
publicae” (De Officiis, I, 17, 54; O casamento é a primeira sociedade…; por
isso é o primeiro princípio da cidade e o viveiro do Estado). A definição
clássica do matrimônio é aquela do jurista Erennio Modestino (m. 244 d.C.):
“Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et
humani iuris communicatio” (Dig. 23,2,1) (União de um homem com uma
mulher, uma comunhão por toda a vida, com a aceitação de tudo o que é exigido
pelo direito humano e divino). Com as palavras Coniunctio maris et feminae Modestino entendia a união
sexual. Poucos anos antes, Ulpiano com esta coniunctio entendia o matrimônio
mesmo, conteúdo no direito natural. Ele dizia que pela validade do
matrimônio não precisa a união carnal, mas o consentimento (Digesto,
35,1,15). Segundo Ulpiano o consenso compreende a affectio maritalis, a vontade do marido de
comportar-se com carinho e com respeito com a sua esposa.
A outra está contida nas
Institutiones de Justiniano: “Viri et mulieris coniunctio individuam
consuetudinem vitae continens” (Inst., 1,9,1). Nestas palavras se encontram os
elementos fundamentais. A vontade dos cônjuges é indispensável e ao menos
na intenção deve ser perpétua. O matrimônio é percebido como algo de
permanente: omnis vitae. O historiador Tacito escreve: Consortia rerum secundarum
adversarumque (Anales, III, 34,8), no bom e no mau destino. Plutarco na
obra Bruto pôe na boca de Porcia, esposa de Bruto estas palavras: “Ó
Bruto, eu me casei contigo para compartilhar a tua alegria e o teu sufrimento”
(Bruto, 13). A diferença entre o casamento legítimo e a união livre era esta,
portanto: a manifestação da vontade de viverem juntos por toda a vida. “Não é a
união carnal mas o consentimento, a vontade, que faz o matrimônio” (Digesto,
35,1,15). Por isso a autoridade do pai não podia intervir sobre a
vontade dos filhos, isto é, o pai não podia obrigar os filhos a casar-se se
eles não quisessem: “Non cogitur filius familiae uxorem ducere” (Dig. 23,2,21).
Contrariamente às outras
culturas antigas, no direito romano o casamento não era celebrado por etapas,
mas somente com uma cerimônia, na qual se exprimia o consentimento. Nos
primeiros séculos da história romana o matrimônio era indissolúvel.
Somente depois, no período imperial foi admitido o divórcio. Já que a vontade é
o elemento essencial para a validade do matrimônio, então, passou-se a pensar
que este existe até o permanecer desta vontade. Se um dos dois não quiser mais
viver com o outro, o casamento termina.
Então, depois do divorcio
pode-se novamente casar. A procriação é importante mas o carinho (afeto) passa
que é mais importante. Porém, a procriação é um elemento do matrimônio: se
falta a capacidade física de procriar o casamento é inválido. Por isso é
permitido somente depois da puberdade. É tambem proibido pelas pessoas já
casadas. O matrimônio è monogâmico. A poligamia não tem lugar no direito
romano. Pelos juristas não era possivel compreendê-la. Para casar-se novamente,
a primeira união deve ser desligada: “Neque eodem duobus nuptia esse potest
neque idem duabus uxores habere (Gaio, Inst. 1,63; não é lícito ser casado duas
vezes ao mesmo tempo, nem ter contemporaneamente duas mulheres). Era proíbido o
incesto, o casamento entre os primos, tio e sobrinha, tia e sobrinha. Tudo isto
confirma que o matrimônio não era algo privado, mas uma realidade pública,
social. É importante notar que a definição de Modestino nos fala do
direito divino (divini iuris). Isto evidência uma relação do matrimônio
com a divindade. Na cerimônia nupcial havia uma invocação à deusa Juno Pronuba,
divindade que protegia as núpcias.
Quando a Igreja se
preocupa com a família, não age fora do seu campo de ação. A Igreja faz parte
da estrutura social e por isso tem o direito de exprimi a sua palavra sobre
esta fundamental instituição. De fato, se a família cair, tudo vai cair.
O fato é que o matrimônio
leigo e família leiga (no senso de laicista) não existe. Têm uma profunda
conotação religiosa, já reconhecida seja pelos gregos seja pelos romanos.
Os gregos e depois os
romanos estavam convencidos de que o matrimônio foi querido pelos deuses. Estes
dois povos tiveram bem claro a existência da lei natural (lex naturalis) precedente às leis dos homens (lei
positiva). Estavam convencidos de que existia um direito anterior, uma lei não
escrita, precedente às leis formuladas pelos juristas. Pelos romanos já antes
das doze Tábuas da Lei o matrimônio tinha uma conotação religiosa.
A Igreja fez muitas
intervenções sobre a família. Além do Concílio e muitos discursos dos Papas, as
intervenções oficiais estão contidas nestes documentos: Leão XIII:
Arcanum Divinae Sapientiae (10-2-1880); Pio XI:
Casti Connubii (31- 12- 1930); João Paulo II: Familiaris
Consortio (1981); Pontifício Conselho para a Familia:
Família, Matrimônio e “uniões de fato” (2000).
Fonte:
Blog do Carmadélio
Nenhum comentário:
Postar um comentário