Toda
pessoa viva já pensou na morte. Pensar na morte faz parte da vida. O que
diferencia alguém vivo de alguém morto é que o vivo ainda não morreu. Vida e
morte são coisas claramente separadas, apenas nas palavras. Viver é morrer um
pouco a cada dia. Morrer é parar de morrer.
Uma vez, uma aluna minha, do
curso de psicologia, disse que o “problema da vida” é que a gente já nasce
morrendo. Assim, pensar na morte, faz parte da nossa constituição psíquica. É
normal, não tem nada de errado com quem pensa na morte.
Porém, a gente não pensa na
morte de modo uniforme, ao longo de toda a vida. Se tem um tempo onde é mais
comum pensar na morte, esse tempo, certamente, é a adolescência.
Isso porque, na primeira
infância, a gente vive como se fosse objeto do outro. “Sou da mamãe”, “sou do
papai”, “sou da dinda”, dizem os bordados nos macacões e babadores que os bebês
usam. Quer dizer, somos do outro.
É no fim da infância e no
começo da adolescência que vamos tomando posse do nosso corpo. É só aí que
vamos entendendo, (inconscientemente, porque geralmente não percebemos que
pensamos nisso) que nós pertencemos a nós mesmos.
Se por um lado isso pode ser
libertador, pois “se sou de mim mesmo, posso fazer o que eu quiser da minha
vida” – por outro lado, isso pode ser vivido como pura angústia: “não sou de
ninguém, então, não há ninguém por mim”.
No texto “Luto e melancolia”
Freud diz que ninguém tem energia suficiente para
tirar a própria vida, a não ser que entenda que, tirando a própria vida, está
matando alguém em si. Nesse
sentido, fica fácil entender como algumas pessoas podem tentar ou até mesmo
conseguir tirar a própria vida. Nada parece mais eficaz para fazer falta no
outro do que a eternização de uma falta.
Assim, é comum na adolescência,
certa melancolia. Os sentidos que os pais deram aos seus filhos para a vida,
até então, demonstram falir.
Até que os adolescentes encontrem seus
próprios motivos para viver, por meio dos amigos, das causas e dos amores, um
luto pode advir. É preciso que o adolescente possa expressar sua tristeza,
porque vai descobrindo que seu modo de ver a vida, não é exatamente o mesmo que
o dos pais.
É por aí que ideias suicidas
podem aparecer, e é bem aí que o jogo a baleia azul pode “cair como uma luva”.
Um desastre.
Se o adolescente consegue
elaborar sua tristeza dizendo do que o incomoda, isso é uma coisa – e tem
solução. Mas se ele não pode elaborar isso, se ele não encontra palavras para
falar dessa tristeza, e então, se depara com o jogo da “baleia azul”, então
temos um problema de solução mais difícil, bem mais difícil.
Um adolescente que levava a
ferro e fogo as palavras dos pais, diante da falência das palavras deles, pode
encontrar no jogo da “baleia azul”, algo que substitua o que os pais disseram.
É aí que mora o perigo.
Por isso, pais, é de extrema importância que a
gente fale com nossos filhos adolescentes. Não sobre o jogo da baleia
azul, ou sobre o GTA (que é aquele video-game super agressivo que deixa muita
gente de cabelo em pé) ou sobre o 13 reasons why, mas sobre as coisas da vida.
Sobre a vida do vizinho, sobre a matéria do jornal, sobre o filme que passou na
tevê, sobre propagandas, trivialidades, sobre qualquer coisa.
O desejo de morrer, ou as
fantasias sobre a morte, que esses jovens nos trazem, não devem nos assustar e
assim nos levar a apressadamente a calá-los – mas deve nos convocar a
escutá-los, deve nos levar ao convite para falarem mais disso.
A palavra é o único modo de
elaborarmos. Com aquilo que vira palavra podemos fazer algo. Mas aquilo que não
vira palavra, nos faz refém dos acontecimentos.
(Texto escrito a partir de uma breve conversa
com Lucas Sesarino, que tem 14 anos e 8 meses, é super sábio e deu seu aval no
texto antes que eu o postasse).
Ana Suy, psicanalista
Fonte:
http://blog.comshalom.org
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