VATICANO,
14 Ago. 13 / 04:43 pm (ACI/EWTN Noticias).- O
Vaticano publicou o texto da meditação final que o Cardeal Prosper Grech,
agostinho de 87 anos e portanto não eleitor, fez diante dos 114 cardeais
que elegeram o Papa Francisco. O texto está no boletim oficial "Acta
Apostolicae Sedis".
Está
escrito em latim, dado que os documentos reproduzidos lá estão em seus idiomas
originais. Suas páginas podem ser lidas online no site do Vaticano. Desde 2003
se publica em fascículos mensais com as páginas numeradas a partir de janeiro.
Seu último fascículo publicado é também o primeiro do pontificado do Papa
Francisco.
O
vaticanista italiano Sandro Magister assinala que neste último número se
incluem, entre outras, as atas do conclave que em 13 de março de 2013 elegeu o
Papa. A novidade deste boletim –anteriormente coberto pelo segredo– é o texto
íntegro da meditação de 12 de março do Cardeal Grech no que o Cardeal expõe
"o que Cristo quer de sua Igreja".
A seguir
uma introdução e dez importantes passagens da meditação divulgadas por
Magister:
"Não
tenho nenhuma intenção de fazer o identikit do novo Papa, e muito menos
apresentar um plano de trabalho ao futuro pontífice. Esta tarefa delicadíssima
é tarefa do Espírito Santo, quem nas últimas décadas nos presenteou com uma
série de ótimos pontífices santos. Minha intenção é extrair das Sagradas
Escrituras algumas reflexões para fazer entender o que Cristo quer de sua
Igreja.
Evangelho
sem ofertas
Não se
deve ceder nem sequer à tentação de relativizar a necessidade do batismo,
pensando que o Concílio Vaticano II abaixou a salvação também àqueles que estão
fora da Igreja. Hoje se agrega a isso o abuso de tantos católicos indiferentes
que esquecem ou recusam batizar os próprios filhos.
O
escândalo da cruz
O anúncio
do Evangelho do Reino de Deus se concretiza no anúncio de "Jesus Cristo, e
Jesus Cristo crucificado" (1 Cor 2, 2). […] É justamente este escândalo da
cruz o que humilha a "hybris" da mente humana e a eleva para que
aceite a sabedoria que vem do alto. Também neste caso, relativizar a pessoa de
Cristo pondo-a junto a outros "salvadores" significa esvaziar o
cristianismo mesmo de sua substância.
Foi
justamente a pregação do caráter absurdo da cruz a que em menos de trezentos
anos reduziu ao mínimo as religiões do império romano e abriu a mente dos
homens a uma visão nova de experiência e de ressurreição. Dessa mesma
experiência está sedento o mundo de hoje, que sofre de depressão existencial.
Igreja de
mártires
O Cristo
crucificado está intimamente ligado à Igreja crucificada. É a Igreja dos
mártires, dos primeiros séculos até a dos numerosos fiéis que, em certos
países, expõem-se à morte simplesmente por ir à Missa dominical. […] Jesus prega: "Se me
perseguiram, também vos hão de perseguir" (Jo 15, 20). Por isso, a
perseguição é um "quid constitutivum" da Igreja, […] é uma cruz que
deve nos envolver.
Mas a
perseguição não sempre é física, existe também a perseguição da mentira:
"Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e
disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim". (Mt 5, 11).
Recentemente vocês tiveram experiência disto, através de alguns meios de
comunicação que não amam a Igreja. Quando as acusações são falsas não se deve
levar em conta, embora causem uma imensa dor.
Quando as
acusações dizem a verdade
Outra
coisa é quando se diz a verdade que nos afeta, tal como aconteceu com muitas
acusações de pedofilia. Agora é necessário humilhar-se frente a Deus e diante
dos homens, e procurar erradicar o mal a toda custa, como fez Bento
XVI com grande dor. É somente assim que se recuperará a
credibilidade frente ao mundo e se dará exemplo de sinceridade. Hoje muita
gente não chega a acreditar em Cristo porque seu rosto está escurecido ou
escondido detrás de uma instituição que carece de transparência.
Mas se
recentemente choramos por causa de tantos incidentes desagradáveis em que
estiveram envolvidos sacerdotes e leigos, inclusive na casa pontifícia, devemos
pensar que estes males, por mais graves que sejam, comparados com certos males
do passado na história da Igreja não são mais que um resfriado. Assim como
estes males foram superados com a ajuda de Deus, assim também se superará a
crise presente. Também se deve curar bem um resfriado, para que não se converta
em pneumonia.
A fumaça
de Satanás na igreja
O
espírito maligno do mundo, o "mysterium iniquitatis" (2 Tes 2, 7),
esforça-se continuamente para infiltrar-se dentro da Igreja. Além disso, não
esqueçamos a advertência dos profetas do antigo Israel de não procurar alianças
nem com Babilônia nem com o Egito, mas seguir uma pura política
"ex-fide", confiando somente em Deus (cfr. Is 30, 1; 31, 1-3; Os 12,
2) e em sua aliança. Valentia! Cristo nos levanta o ânimo quando exclama:
"Coragem, eu venci o mundo" (Jo 16, 33). […]
Cismas à
espreita
Não menos
fácil para o futuro pontífice será a tarefa de manter a unidade na mesma Igreja
Católica. Entre os extremistas ultra tradicionalistas e os
extremistas ultra progressistas, entre os sacerdotes rebeldes à obediência e os
que não reconhecem os sinais dos tempos, estará sempre o perigo de cismas
menores que não somente ferem a Igreja, mas vão contra a vontade de Deus: a
unidade custe o que custar. Mas unidade não significa uniformidade.
É
evidente que isto não fecha as portas à discussão intraeclesial, presente em
toda a história da Igreja. Todos são livres de expressar o que pensam em
relação à missão da Igreja, mas de tal forma que seja proposto na linha disso
"depositum fidei" que o pontífice, junto a todos os bispos,
tem o dever de custodiar. […]
Liberdade
sexual e progresso
Infelizmente,
a teologia padece hoje por causa desse pensamento débil que reina no âmbito
filosófico, por isso necessitamos um bom fundamento filosófico para poder
desenvolver o dogma com uma hermenêutica válida que fale uma linguagem
inteligível ao mundo contemporâneo. Mas muitas vezes acontece que as propostas
de muitos fiéis para o progresso da Igreja se baseiam no grau de liberdade que
se concede no âmbito sexual. É certo que podem ser mudadas leis e tradições que
são puramente eclesiais, mas não toda mudança significa progresso; é necessário
discernir se tais mudanças servem para aumentar a santidade da Igreja ou para
obscurecê-la. […]
Esse pequeno
resto que não se ajoelha ante baal
No
Ocidente, pelo menos na Europa, o cristianismo mesmo está em crise. […] Reina
uma ignorância e um abandono não somente da doutrina católica, mas também do
ABC mesmo do cristianismo. Por isso se sente a urgência da nova evangelização
que começa com o kerigma puro e sem artifícios anunciados aos não-crentes,
seguido por uma catequese contínua alimentada pela oração.
Mas o Senhor nunca é derrotado pela negligência humana, e parece que enquanto
na Europa lhe fecham as portas, ele as está abrindo em outros lados,
especialmente na Ásia.
Mas
também no Ocidente Deus não deixará de reservar um resto de Israel que não se
ajoelhe ante Baal, um resto que encontramos principalmente em tantos movimentos
leigos dotados com diferentes carismas e que estão contribuindo muito
fortemente à nova evangelização. […] Mas estejamos atentos para que os
movimentos particulares não achem que a Igreja se esgota neles. Em definitiva,
Deus não pode ser derrotado pela nossa negligência. A Igreja é sua, as portas
do inferno poderão feri-la no calcanhar, mas jamais a poderão extinguir. […].
A fé dos
simples
Há outro
fator de esperança na Igreja que não devemos descuidar: o "sensus
fidelium". São Agostinho o chama "o professor interior" em cada
um dos crentes. […] Este sentido cria no íntimo do coração o critério de
discernimento do verdadeiro e do falso, que nos faz distinguir instintivamente
o que é "secundum Deum" do que vem do mundo e do maligno (1 Jo 4,
1-6). […]
A brasa
da fé devota se mantém viva graças a milhões de fiéis simples que estão longe
de serem chamados teólogos, mas que, a partir intimidade de suas orações,
reflexões e devoções, podem dar profundos conselhos a seus pastores. São eles
os que "destruirão a sabedoria dos sábios e rechaçarão a ciência dos
inteligentes" (1 Cor 1, 19). Isto quer dizer que quando o mundo, com toda
sua ciência e inteligência, abandona os logos da razão humana, o Logos de Deus
brilha nos corações simples, que formam a medula da que se nutre a espinha
dorsal da Igreja. […]
Sob a mão
do cristo juiz
Embora
professemos que o Espírito Santo é a alma da Igreja, nem sempre o tomamos em
consideração nos nossos desígnios sobre a Igreja. Ele transcende toda análise
sociológica e previsão histórica. Supera os escândalos, as políticas internas,
os arrivismos e os problemas sociais, os quais –em sua complexidade– nublam o
rosto de Cristo que deve brilhar também através de densas nuvens.
Escutemos
a São Agostinho: "Os apóstolos viam Cristo e acreditavam na Igreja que não
viam; nós vemos a Igreja e devemos acreditar em Cristo, a quem não vemos.
Aderindo permanentemente ao que vemos, chegaremos a ver aquele que agora não vemos"
(Sermão 328, 3). […]
Em 1961
João XXIII recebeu em audiência nesta Capela Sixtina ao corpo diplomático
acreditado junto à Santa Sé. Assinalou a figura dominante de Cristo juiz,
pintado no afresco de Michelangelo, e lhes disse que Cristo julgará também o
obrar de cada uma das nações na história. Vocês se encontram nesta mesma
Capela, sob a figura desse Cristo, com a mão elevada, não para esmagar, mas
para iluminar o voto de vocês, para que seja "secundum Spiritum", não
"secundum carnem". […] É deste modo que o eleito não será só o de
vocês, mas essencialmente o Seu.
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