Os argumentos clássicos em favor da existência de Deus, já parcialmente
esboçados pelo filósofo grego Aristóteles (+322 a. C.), podem-se resumir nas
três seguintes vias
1.
A contingência do movimento
a)
Há no mundo movimento e mudanças contingentes, transitórios.
O
que é uma proposição evidente, ditada pela experiência cotidiana.
b)
Ora todo ser que se mova contingentemente, é movido por outro.
Com
efeito, “entrar em movimento” ou “mudar” significa “receber uma perfeição ou
determinação não possuída”. Doutro lado, “mover” implica “dar tal perfeição”.
É, porém, impossível que o mesmo ser receba e dê ao mesmo tempo a mesma
perfeição, pois, para receber, é preciso não ter; para dar, requer-se que
tenha. Dada a impossibilidade de ter e não ter ao mesmo tempo o mesmo objeto,
conclui-se que todo ser que entra em movimento ou se move contingentemente
(após um estado de inércia), recebe de outro (causa eficiente ou motriz) o
princípio de seu movimento. Se ele fosse o próprio princípio adequado de seu
movimento, estaria sempre em movimento e mover-se-ia necessariamente, não
contingentemente, deveria estar agindo antes de começar a agir — o que é absurdo.
c)
Na série das causas motrizes, deve haver uma, Suprema e Absoluta, que explique
o movimento das demais e por nenhuma outra seja explicada. Uma série infinita
de causas motrizes dependentes e contingentes nada explicaria, cada qual seria
mera transmissora, nenhuma apresentaria a razão de ser do movimento; tal série
se poderia comparar a um canal que se prolongasse muito, mas fosse destituído
de fonte; ora, se não há fonte, não há nem intermediários (ou canal) nem há
efeito. Um conjunto numeroso (diga-se: infinito) de espelhos a refletir uma
imagem não dá conta, por si só, da imagem neles refletida; cada um apresenta
uma figura espelhada dependente, a qual supõe a figura que se espelha,
absoluta.
Poder-se-ia
replicar que o processo do movimento se verifica desde toda a eternidade; por
isto, não tem princípio. Neste caso, porém, seria desde toda a eternidade que a
série dos moventes dependentes exigiria um Movente Absoluto, independente; o
simples fato de haver movimento o pede; o tempo ou a duração é apenas medida do
fato, mas não constitui uma fonte de energia.
Existe,
portanto, um Princípio de todo movimento, o qual por si mesmo possui a sua
atividade, sem depender de outro. E tal Movente Absoluto é chamado Deus.
a)
Observa-se que nada no mundo é absolutamente perfeito, mas tudo parece
aproximar-se “mais ou menos” da perfeição simplesmente dita ou do ideal. Quem
se serve dos bens desta terra, vive num perpétuo “encanto desencantado”, pois
só encontra valores que se desvalorizam. O homem mais prendado de bens
materiais e espirituais ainda tem capacidade para apreender mais alguma coisa;
também o homem mais santo se vê sempre inferior aos seus propósitos.
b)
Ora o relativo supõe necessariamente o Absoluto.
Todo
homem que fala de “mais” e “menos (bom, belo, veraz…)”, só o faz porque tem em
mente, implícito, o conceito do Máximo, daquilo que é “por excelência”, sem
restrição nem limitação. Quem experimenta o caráter relativo das coisas,
reconhece a presença de um Ser Absoluto e Exemplar; é somente a existência
deste que justifica a apreciação mais ou menos favorável que se faz das coisas
relativas.
Em
linguagem mais técnica, as considerações acima se poderiam assim formular:
observem-se as perfeições que por si mesmas não dizem imperfeição alguma — a
bondade, a beleza, a justiça, a ciência (há, sim, perfeições que em si implicam
imperfeição; assim o “arrepender-se”, o conhecimento sensitivo, sempre
restrito, o “raciocinar progressivamente”, sempre sujeito a erros…). Aquelas perfeições
em seu conceito não incluem negação nem lacuna; se a intuíssem, dever-se-ia
dizer que a bondade é, por sua própria essência, a maldade,… que a beleza é,
por sua essência, a feiura, etc. Se, portanto, existe no mundo bondade, mas
bondade restrita; se existe beleza, mas beleza restrita deste ou daquele modo;
se existe vida, mas vida limitada em tais e tais seres reais, estes seres
supõem necessariamente outro que neles tenha limitado a bondade, a beleza, a
vida, e que por nenhum outro seja limitado. Em outros termos: supõem outro que
neles tenha feito a composição da bondade, da beleza… com aquilo que as
restringe, pois tal composição não se explica pela natureza da bondade mesma
nem pela da beleza mesma. E esse Compositor há de ser a Bondade Absoluta,
irrestrita, a Beleza Absoluta, a Justiça Absoluta — medida e causa eficiente
dos seres limitados.
c)
Existe, pois, a Perfeição Ilimitada.
O
parágrafo b), acima, levava a concluir: existe o absolutamente Belo, o
absolutamente Bom, o absolutamente Veraz, etc.
Contudo,
se se reflete mais um pouco, verifica-se que Bondade, Beleza, Verdade não são
senão modalidades do ser; significam o ser sob determinado aspecto (o ser
comparado à inteligência, o ser comparado à vontade, o ser comparado ao senso
estético…). Em consequência, afirmar-se-á: há um Ser que é ao mesmo tempo Bom
sem limite (a Bondade mesma), Veraz sem limite (a Verdade mesma), Belo sem
limite (a Beleza mesma). Este Ser não recebe sua Bondade nem sua Veracidade nem
sua Existência de uma fonte extrínseca, mas Ele as tem de per si, por sua
própria entidade; se as recebesse de fora, Ele só as poderia receber de maneira
limitada, participada (ou em parte). Por conseguinte, esse Ser não tem, mas é,
sua própria Perfeição. A Ele se atribui o nome de Deus.
3.
A ordem e a finalidade existentes no universo.
a)
Quem considera o universo, não pode deixar de nele verificar ordem estupenda e
tendência de múltiplos elementos (por si indiferentes a múltiplas
possibilidades de concatenação) em demanda de um fim bem determinado.
O
“macrocosmos”, por exemplo, ou o mundo dos astros, apresenta um conjunto de
corpos sabiamente coordenados dentro de proporções “astronômicas”, ou seja, que
escapam às cifras com que o homem habitualmente lida na terra.
O
“microcosmos” ou o mundo do átomo reproduz simetricamente a estrutura do
“macrocosmos” ou, mais precisamente, do sistema solar; as minúsculas dimensões
e as enormes velocidades dos corpúsculos que giram dentro de um átomo atingem
por sua vez cifras astronômicas.
No
mundo dos viventes, a harmonia dos elementos que constituem um vegetal ou um
animal causa surpresa, dada a complexidade das funções concatenadas em vista da
conservação e da defesa da vida. Basta recordar a estrutura de um olho, de um
ouvido. Tenha-se em vista outrossim que, quando se extrai um rim de um
organismo doentio, o outro logo se desenvolve além das proporções necessárias
ao metabolismo normal. Por que isto? — Porque a natureza parece querer possuir
uma reserva, “prevendo” o caso eventual de se tornar necessário o trabalho
equivalente ao de dois rins. Tais exemplos se poderiam multiplicar.
b)
Tão maravilhosa ordem, tão segura tendência a um fim supõem exista uma
Inteligência que as tenha concebido e produzido.
Ordem
significa adaptação de diversos elementos entre si em vista de certa finalidade
a ser obtida. Ora a adaptação supõe a intuição de um efeito ainda não existente
na realidade concreta, mas existente idealmente, ou seja, num intelecto, de
modo espiritualizado, superior ao modo corpóreo, sensível. Ordem supõe a
intuição da natureza íntima ou da essência de cada um dos seres que estão para
ser adaptados; supõe o conhecimento daquilo que é perene e latente sob os
fenômenos sensíveis e variáveis que cada corpo dá a ver. Somente quem percebe a
estrutura íntima dos seres sabe utilizá-los como meios para obter determinado
efeito.
Pois
bem; um conhecimento tal é característico de um espírito ou de um ser dotado de
inteligência (inteligência e espírito se evocam mutuamente; cf. “Pergunte e
Responderemos” 3/1957, qu. 1). Só a inteligência é capaz de
comparar e apreender as qualidades que podem relacionar ou ligar elementos
aparentemente desconexos entre si.
Quem
realiza a análise física e química de um relógio, parece explicar perfeitamente
as propriedades de cada uma das suas peças: a resistência dos metais, a força
das molas, o processo das alavancas, etc. Contudo esse estudioso não explica a
escolha de tais peças, nem a sua associação em um maquinismo apto à contagem do
tempo. A razão de ser de tal associação não é indicada pela análise das peças
do relógio; não se acha latente em nenhuma de suas molas; nenhuma, por sua
natureza, explica porque está assim correlacionada com as demais. Tal razão de
ser está, sim, contida fora do relógio, num Ser real existente: foi este que
por sua inteligência concebeu e realizou a combinação de elementos necessária
ao fim preconcebido de marcar o tempo.
O
ser inteligente que por via destes raciocínios se chega a descobrir há de ser
absoluto, ilimitado, incriado, pois a Ele se deve não apenas o ato
de dispor em ordem alguns ou muitos seres preexistentes (deixando de parte
outros, como poderia fazer um homem), mas igualmente o de conceber e realizar o
plano do universo inteiro e de cada um de seus componentes. A inteligência que
concebe e dá existência real a cada ente desde as raízes do seu ser (das quais
emanam suas propriedades e atividades), só pode ser o Ser simplesmente dito, o
Infinito, que por definição se chama Deus.
Dir-se-á,
porém: quem sabe se todas essas estruturas e suas atividades não poderiam ser
igualmente produto do acaso?
Não
há sério pensador que hoje em dia ainda recorra ao acaso; este expediente
implicaria um sofisma clamoroso. De fato; o acaso não é uma causa, nem um
agente, mas o cruzamento não necessário de causas independentes umas das
outras; vem a ser, portanto, uma relação entre elementos preexistentes, um mero
acontecimento verificado entre estes. A intervenção do acaso não explica a
origem dos agentes que “casualmente” se encontram e combinam.
O
seguinte exemplo, muito famoso, ainda concorre para evidenciar o absurdo da
hipótese do acaso: considere-se uma só molécula de proteína, substância que
entra na constituição de qualquer corpo vivo; suponha-se, para simplificar os
cálculos, que tenha o peso molecular 20.000 e conste de 2.000 átomos
pertencentes a duas espécies apenas. A probabilidade de se formar por acaso uma
tal molécula se reduz a: 2,02 x 10-321 ou 2,02 x 1/10321
!
O
volume de substância necessária para que uma tal probabilidade se realize,
seria o de uma esfera cujo raio exigiria 1082 anos-luz para lhe
percorrermos a distancia. Quem lançasse ao acaso os átomos componentes de tal
molécula de proteína ao ritmo de 500 trilhões de vibrações por segundo,
dispondo de um volume de átomos igual ao da esfera terrestre, precisaria de 10243
bilhões de anos para obter uma só molécula de proteína. Não esqueçamos, porém,
que a Terra só existe há dois bilhões de anos e que a vida nela apareceu há
cerca de um bilhão de anos apenas! Leve-se outrossim em conta que um ser vivo
se compõe de bilhões de células de proteína e que, segundo a linguagem dos
fósseis, bilhões de seres vivos tiveram origem sobre a terra em lapso de tempo
notàvelmente breve. É o que leva a rejeitar peremptoriamente a origem aleatória
do mundo.
Os
três grandes argumentos acima, de índole metafísica, são confirmados pelo
testemunho da natureza humana mesma:
a)
todos os povos através dos séculos professaram a crença em Deus. Esta
proposição foi lançada em descrédito no século passado, quando Darwin comunicou
ao mundo ter encontrado na Terra do Fogo um grupo de índios, os Yamana,
destituídos de religião (1834). Novas explorações, porém, empreendidas no
século 20 por estudiosos austríacos, mais competentes em Etnologia do que o
naturalista Darwin, levaram a ver que os mencionados aborígenes têm religião, e
religião assaz pura. Ulteriores pesquisas entre as tribos primitivas do mundo
atual incutiram mesmo a conclusão seguinte: quanto mais simples é o grau de
cultura de um clã, tanto mais simples e puro é também o seu conceito de Deus; o
politeísmo, a magia são desvirtuamentos da religião primitiva, desvirtuamentos
que o homem é tentado a realizar quando entra em contato mais assíduo com as
forças da natureza; tende então ilogicamente a esfacelar o conceito de Deus e
distribuir os atributos divinos pelos seres materiais de que ele depende para
efetuar sua indústria e seu comércio;
b)
também merece atenção o brado de todo indivíduo humano em demanda de
bem-aventurança. Não há quem não queira ser feliz, e feliz sem limites, pela
posse de um bem que nunca se acabe. Ora tal sede inata só se explica
razoavelmente se de fato existe o Objeto infinitamente bom a ela
correspondente; a natureza se manifesta em tudo harmoniosa, coerente consigo
mesma. É o Bem Infinito que fala pela consciência de todo indivíduo, chamando-o
a si mediante a norma gravada, no íntimo de cada um: “Faze o bem, evita o mal”.
É esse mesmo Ser que se faz ouvir pelo remorso consequente a uma violação da
consciência.
Ó
grandeza do homem, a de não estar condenado a viver e morrer de si para si! É,
ao contrário, entre o Alfa e o Omega que ele se move neste mundo!
Sobre
o tema abordado nesta resposta, pode-se consultar com proveito:
P.
Cerruti, A Caminho da Verdade Suprema; Universidade Católica do Rio de Janeiro
1954, 461-584.
J.
A. O’Brien, Deus existe? Editora Vozes de Petrópolis 1949.
Lecomte
du Noüy, O homem e o seu destino. Editora Educação Nacional, Porto 1953.
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